O perfeito cristão

Hugo era um rapaz que conhecia todas as pessoas pelo nome, não era nenhum pouco bonito, porém, arrumava-se muito e gostava de usar as melhores roupas que existiam nas lojas, seus pais o bancavam em tudo, não poupavam esforços para dar o que ele queria, como, onde e quando queria. Todos os dias era a mesma rotina. Hugo vestia o seu terno de marca, passava o seu perfume caro e usava gel em seu cabelo, alinhava com o pente, saia de casa com a Bíblia debaixo do braço, cabeça erguida, nariz em pé. 
Era filho de pastores, foi criado pela cultura tradicional cristã, todos os dias ele conseguia se justificar santo e merecedor do melhor. Todos os dias olhava para os outros com um ar de superioridade e fazia de tudo para se destacar como melhor do que as outras pessoas.
Ao chegar na Igreja, sentava-se no primeiro banco, com a cabeça erguida e os olhos fechados, apenas confirmava que o céu já era dele, em sua concepção se não fosse ao céu, ninguém mais iria pois em sua imaginação não existia ninguém melhor do que ele para herdar o reino de Deus. Sua lista de razões era enorme: filho de pastores, pregador, dizimista e músico cristão. O candidato perfeito para herdar as maravilhas divinas.
Quase não faltava em nenhum culto, não tinha amizades com pessoas que ele considerava "do mundo". Não existiam barreiras para o seu orgulho, essa não é a palavra correta para descrevê-lo mas esse era o sentimento que ele tinha toda a vez que o seu Pai o usava como exemplo em alguma pregação. As moças arregalavam-se toda vez que o viam passar, o sorriso maroto no seu semblante não escondia a felicidade de ser o desejado por entre a mocidade de sua congregação. O seu irmão mais velho, o Anísio, era igual a ele. Sentiam-se ambos importantes, especiais e exclusivos.
Naquela manhã Hugo precisava ir ao centro comprar alguns mantimentos que sua mãe lhe pediu. Como o seu pai havia viajado com o carro, sua única saída foi pegar um ônibus público. Entrou dentro daquele ônibus com uma cara de nojo, rolou a roleta vestido de roupa social e quase ficou imprensado. Sentou-se em um assento para deficientes especiais, olhou dos pés a cabeça duas velhinhas que sentavam no banco do lado, ergueu a cara e fechou os olhos como quem está em transe. Em poucos instantes sentiu suas costas incomodarem, pegou o banco e desceu até onde pôde, deixando apertado um senhor que pesava mais de oitenta quilos no banco de trás, na poutrona do seu lado colocou sua mochila. O ônibus seguia por entre sua linha rotineira, não entrava ninguém que o pedisse para sentar ao seu lado. Não que mais pessoas não estivessem entrando no ônibus, porém, escolhiam os lugares que estivessem disponíveis e sem pertences postos em cima. Ainda mais, sentiu-se necessitado de deitar nas suas duas poltronas, retirou sua mochila do banco, colocou no guarda-volumes em cima dos bancos. Deitou-se no banco, como sua viagem era demorada pois morava no último bairro da cidade e até chegar ao centro demoravam umas duas horas. Aconchegado no banco não demorou muito para que pegasse no sono, o sono era daqueles que se tem após muitas horas de trabalho árduo, o que não era o caso do Hugo que vivia sendo paparicado por seus pais e cuja a idade de vinte anos o dava forças suficientes para roçar um pasto se fosse preciso. A cada nova parada mais pesssoas iam entrando naquele ônibus. Hugo não via nada. Quando foi-se durante muito tempo e entrou um senhor com uma perna manca arrastando, o senhor andava por dentro daquele ônibus  segurando-se em uma poltrona e outra, seu fôlego o puxava de uma tal maneira que para respirar era difícil. Haviam poltronas disponíveis para ele sentar e ele poderia se as pessoas que estavam sozinhas não tivessem deixado suas bolsas em suas poltrona em seus lados.
O senhor estava cansado de andar pelos corredores daquele ônibus e ninguém o dar um lugar para sentar. O motorista viu a situação pelo retrovisor, deu um grito lá dentro:"Pessoal, alguém arruma um lugar para o senhor sentar." As pessoas que não estavam dormindo fingiram-se como em gestos que lhe davam essa impressão. O senhor caminhou e parou em frente a poltrona de Hugo, com muito esforço pois suas vistas não o ajudavam muito, conseguiu ler que aquele era um assento especial. Então, parou, analisou aquele jovem ali deitado, viu que não era mulher lactante, não era idoso e aparentemente não lhe faltava nenhum componente físico. Cutucou o rapaz, após muita insistência ele ergueu a cabeça e o senhor lhe disse: "Desculpe moço, esse assento é preferencial, poderia me ceder uma dessas poltronas?" 
O jovem cristão simplesmente olhou o senhor dos pés até a cabeça, como em um olhar de desdenho. "Eu não vou ceder, estou cansado e preciso descansar. Procure outra poltrona."
O homem não tinha mais o que fazer, já havia andado com sua perna arrastando por aquele corredor e ninguém se importou em lhe oferecer um lugar. Ficou em pé. Disse para o jovem: "Deus lhe abençoe, jovem. Eu vou em pé."
Uma senhora que antes estava dormindo, acordou e foi quando viu o senhor indo toda a viagem em pé, retirou sua bolsa do lado e o convidou a sentar. O senhor muito comovido foi arrastando sua perna até a poltrona e ali sentou. Não sei qual era a religião daquela senhora e nem se tinha algum credo, eu só sei que ela teve a sensibilidade em se compadecer do próximo.

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