Leonor

      Desconfio se o homem não chora. Eu choro, chorei naquele dia em que eu a vi partir. Vou contar do começo para que você, meu irmão, possa entender como tudo aconteceu. Não tenho palavras para a dor que estou sentindo nesse momento em que escrevo para você. Não queria demorar e alongar muito e se isso acontecer espero que me entenda. 
      Quando a conheci não esperava amar mais mulher na vida, já era de certa idade avançada e já havia me decepcionado muito em relacionamento. Eu estava por cerca de trinta e cinco anos, me considerava velho e pai de três crianças de um casamento de quinze anos, o divórcio tinha sido complicado e eu havia lutado muito para permanecer no casamento e criar os meus filhos: João, Augusto e Eduardo. Os três amores da minha vida, o que eu não trocaria por nada nesse mundo. Eu não queria separar, era o casamento que eu sempre quis. Até que eu já não era bom o suficiente para ela, trocou-me por um outro homem, não conheço ele. Não quero conhecer.
         Aos trinta e cinco anos, separado, decidi recomeçar a minha vida sozinho. No começo tudo me lembrava minha ex, as cortinas da sala, a música na rádio e o jeito como ela cozinhava aquela feijoada. Quando o luto do fim passou, sentia a liberdade do homem solteiro, passei a dormi com uma e outra, eu gostava muito de me sentir procurado pelas mulheres, de acordar a cada dia em uma cama diferente e de beber até amanhecer o dia. Eu bebia muito, bebia por qualquer motivo e a qualquer hora. Quando eu terminava o meu expediente de atendente de telemarketing no caminho de casa já comprava uma caixinha. Depois que o divórcio foi oficializado e a guarda foi estabelecida, eu pude passar finais de semana com os meninos, a gente fazia muitos programas juntos. Um desses finais de semana o João queria muito ir ao cinema no Shopping ver o filme lançamento do Capitão América. O filme foi muito bom, os meninos não paravam de falar do filme quando saímos da sala de cinema, quando descemos a escada rolante e no piso térreo caminhando, o Augusto viu uma mulher sentada, chorava muito com um papel na mão, o menino curioso puxou a minha camisa e apontou para a mulher e todos nós olhamos para ela, os meninos pediam para mim ir lá falar com ela para descobrir o que ela tinha. Eu tinha vergonha de ir, fiquei receoso até que tomei coragem e fui.
         A mulher chamava-se Leonor, não quis revelar-me o motivo de seu choro e aos poucos fui esquecendo que a vi chorar, conversamos muito enquanto eu dei um dinheiro para que meus filhos brincassem nos brinquedos que tinham em um espaço para crianças. Ela apenas me revelou que teve um mal dia no seu trabalho como vendedora em uma boutique no Shopping. Conversamos tanto que esqueceu-se de continuar chorando. Guardou o papel na bolsa que nem percebi. Após esse episódio começamos a encontrar-nos mais vezes, ela não queria ter um relacionamento, tinha passado por uma separação turbulenta do pai de seu casal de crianças. Ela tinha trinta e um anos. Era batalhadora e uma pessoa diferente das mulheres que dormiam comigo. Ela não tinha ambição alguma, era muito simples e gostava de ser simples. Saiu com três homens após ficar solteira mas decidiu não continuar com nenhum deles pois queria uma vida mais sossegada para criar seus filhos. 
        Se você, meu irmão, me perguntar o que eu vi nela, não sei te informar. Eu hesitei em levá-la para a cama, não era o tipo de mulher para algo casual mesmo sendo mãe solteira, mesmo tendo boletos para pagar e filhos para criar, em nenhum momento vi ela pedindo para mim ir adiante e casar. No começo eramos somente amigos, conversávamos sobre os desafios de ser pai e mãe solteiros, parecia divertido quando eu ligava para ela perguntando o que iria responder ao meu filho que perguntou por que ele não tinha barba e eu tinha, o menino não entendia o por que a barba não nascer em seu rostinho e queria se barbear quando me via fazendo a barba. A Leonor me ajudou até quando os meninos queriam ter namoradinha por que se tivessem namoradinha seriam considerados homens. Ela sabia explicar o que eu não sabia para as crianças. Eu queria casar-me com aquela mulher, queria morar com ela, viver com ela para o resto da vida. Ela não queria, sempre negava o meu desejo de dividir a vida comigo. 
          Por um tempo eu decidi não mais procurá-la, eu tentava esquecê-la, pensei até que ela tivesse alguém ou que ainda fosse apaixonada pelo ex marido dela, eu não entendia o motivo dela se negar tanto a casar comigo e a construirmos uma vida, eu criaria os filhos dela como se fossem os meus, eu moraria na casa dela somente para que ela não tivesse que mudar-se. O tempo em que me afastei dela foi o tempo mais dolorido, eu sentia que a amava mais. Passei a segui-la sem que soubesse para ver se a encontrava com outro, não encontrei nada. Até que decidi voltar para ela, querendo-a de volta, friamente ela pedia para que eu fosse. Eu não fui, eu permaneci. Voltamos a namorar como ela queria, sem qualquer compromisso de levá-la ao altar ou algo do tipo. A gente ficou junto. Parecia que estávamos em lua de mel quando estávamos juntos, por celular brigávamos muito e não nos entendiamos porém quando ficávamos de frente um para o outro nos amávamos como se não houvesse amanhã.
        Eu não sei nada sobre o destino ou de amor verdadeiro, eu só sei que eu amei de verdade e fui amado, nosso romance não passou de namoro, nunca chegamos a nos casarmos no cartório ou trocarmos aliança, nada nos impediu que vivêssemos isso. Se fosse por mim ela teria sido minha mulher desde a primeira vez que nos vimos. Meu mundo faleceu no mesmo dia em que ela se foi em meus braços, no chão da nossa sala. Era jovem para ter ido, eu sei, não temos como controlar o tempo e o destino. Escrevo esta carta, meu irmão, para que você entenda o meu sofrimento e a minha dor, em breve espero vê-lo.

Com amor, Xavier. 

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